domingo, 13 de junho de 2010

Partido Alto

Chico Buarque

Deus é um cara gozador
Adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo
Tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado
Me botar cabreiro
Na barriga da miséria
Eu nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro

Diz que deu
Diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, oh nega
E se Deus não dar
Como é que vai ficar, oh, nega?
"à Deus dará" , "à Deus dará"

Diz que deu
Diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, oh nega
E se Deus negar
eu vou me indignar e chega
Deus dará , Deus dará

Jesus Cristo ainda me paga
Um dia ainda me explica
Como é que pôs no mundo
Essa pobre titica
Vou correr o mundo afora
Dar uma canjica
Que é pra ver se alguém se embala
Ao ronco da cuíca
Um abraço pra aquele que fica, meu irmão

Deus me deu mãos de veludo
Prá fazer carícia
Deus me deu muitas saudades
E muita preguiça
Deus me deu pernas compridas
E muita malícia
Pra correr atrás de bola
E fugir da polícia
Um dia ainda sou notícia

Deus me fez um cara fraco
desdentado e feio
Pele e osso, simplesmente
Quase sem recheio
Mas se alguém me desafia
E bota a mãe no meio
Eu dou porrada a três por quatro
E nem me despenteio
Porque eu já tô de saco cheio.

Aquele Abraço

Composição: Gilberto Gil

O Rio de Janeiro
Continua lindo
O Rio de Janeiro
Continua sendo
O Rio de Janeiro
Fevereiro e março

Alô, alô, Realengo
Aquele Abraço!
Alô torcida do Flamengo
Aquele abraço

Chacrinha continua
Balançando a pança
E buzinando a moça
E comandando a massa
E continua dando
As ordens no terreiro

Alô, alô, seu Chacrinha
Velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha
Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho palhaço
Alô, alô, Terezinha
Aquele Abraço!

Alô moça da favela
Aquele Abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele Abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele Abraço!

Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele Abraço!
Prá você que me esqueceu
Ruuummm!
Aquele Abraço!
Alô Rio de Janeiro
Aquele Abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele Abraço!

Alegria, Alegria

Caetano Veloso

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou…

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou…

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot…

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou…

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não…

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou…

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou…

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil…

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou…

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou…

Por que não, por que não…
Por que não, por que não…
Por que não, por que não…
Por que não, por que não…

O Bêbado e A Equilibrista

Elis Regina

Composição: João Bosco e Aldir blanc

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...

Sapato 36

Composição: Raul Seixas

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez

Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto

Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai

Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar

Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai

Pai já tô indo-me embora
Eu quero partir sem brigar
Já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar (Êêêê)
Que não vai mais me apertar (Aaaa)
Que não vai mais me apertar (Êêêê)


Nessa música Raul Seixas quis dizer que quer ser independente,que não precisa contar com ajuda de ninguém para viver,ele quer seguir seu caminho sozinho,sem ter alguém em que mande nele..E isso se coloca também para a ditadura, tanto é que essa musica foi censurada e só foi lançada à pouco tempo atrás.

Alô Alô Brasil

Composição: Gonzaguinha

É tão bom poder andar pelo o país
E penetrar os corações
Poder fazer você feliz
Poder fazer você cantar
Amenizando o dia a dia
Com um pedaço de alegria
Que eu invento no meu peito
Só pra te agradar
É tão bom poder andar pelo o país
O meu pedaço de ilusão
O meu pedaço de irmão
O meu pequeno coração
E penetrar em cada lar
Com um pedaço de esperança
Que eu arranco do meu peito
Pra te alimentar
Alô alô Brasil
Alô você mais acolá
Não adianta só chorar
Não faz mal, nenhum sonhar
Eu fiz uma canção bonita
Pra você assim aflita
Saber
Que juntos
Podemos até fazer chover.

Comportamento Geral

Composição: Gonzaguinha

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

E vamos à Luta

(Gonzaguinha)

Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão

Eu vou á luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada

Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e contói
A manhã desejada

Aquele que sabe que é negro o coro da gente
E segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser bresileiro

Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada

Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira

E nós estamos ‘pelaí’...

Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão

Eu vou á luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada

Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e contói
A manhã desejada

Aquele que sabe que é negro o coro da gente
E segura a batida da vida o ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser bresileiro

Aquele que sai da batalha
Entra no botequim, pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo uma batucada

Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira
Pois o resto é besteira

E nós estamos ‘pelaí’...

Eu acredito é na rapaziada

Como Nossos Pais (Elis Regina / Belchior)

Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado prá nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer que eu 'tô por fora', ou então que eu 'tô inventando'
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Tá em casa guardado por Deus contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Nós ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
como nossos pais.

Nessa musica composta em 1976 por Belchior e interpretada por Elis Regina relata que apesar de todo o esforço que os artistas fizeram para abrir os olhos dos jovens que eles podiam mudar a situação em que se encontrava o país eles continuaram acomodados e aceitando terem suas vidas “mandadas” pela ditadura militar como ela cita nesse trecho da musica : Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos. Nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

Roda Viva

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)

Composição: Chico Buarque

A musica se refere o quanto nos temos dificuldade em fazer o correto;indo contra a corrente;"na volta do barco" é o retornar pro principio ja que nadando contra a corrente vc não consiguiu a meta desejada e ai nessa frase especifca "na volta do barco";quando temos que fazer tudo de novo da maneira correta;a gente sente o que deixou de cumprir(olhamos e vemos que perdemos tempo e deixamos de realizar mais cedo se optassemos pelo caminho correto)!!!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Vai passar

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear

Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar


Composição: Chico Buarque e Francis Hime



O começo do fim da longa e tenebrosa nevasca cultural foi 1979. O recém criado Conselho Superior de Censura abrandava a atuação repressiva. Num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações, Chico Buarque e Francis Hime compuseram o samba “Vai Passar”, hino da Campanha das Diretas. O disco com "Vai passar" é o Chico Buarque 1984, mesmo ano da votação da emenda das "Diretas já", em abril.


Apesar de você

(Crescendo) Amanhã vai ser outro dia x 3

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão.

(Coro) Apesar de você
amanhã há de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar.

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro.

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de “desinventar”.
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar.

(Coro2) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.

Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença.

E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa.
Apesar de você

(Coro3) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.

Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você

(Coro4) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal,
La, laiá, la laiá, la laiá...

Composição: Chico Buarque

Essa música é considerada um verdadeiro hino contra a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Genial, como de costume,
fala exatamente da falta de liberdade que se vivia no país. Como já era de se esperar, a música foi censurada pela ditadura. A canção foi lançada originalmente num disco de título Chico Buarque, no ano de 1978.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cálice...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)

Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cálice!)
Nem seja a vida
Um fato consumado
(Cálice!)
Quero inventar
O meu próprio pecado
(Cálice!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno
(Pai! Cálice!)
Quero perder de vez
Tua cabeça
(Cálice!)
Minha cabeça
Perder teu juízo
(Cálice!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
(Cálice!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça
(Cálice!)

Composição: Chico Buarque e Gilberto Gil

Durante o período militar, muitas formas de arte foram censuradas, por apresentarem oposição à ditadura. Um dos exemplos mais marcantes do período foi a música Cálice, composta por Chico Buarque em parceria com Gilberto Gil. Além do título da composição ter som idêntico à expressão Cale-se, seus versos poderiam ser confundidos com uma divagação religiosa. A música foi composta no ano de 1973.

Meu caro amigo

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus

Composição: Chico Buarque / Francis Hime


Essa foi uma das canções que Chico Buarque fez na ditadura. Ela é uma carta em forma de música e foi composta para o seu amigo Augusto Boal, um dos maiores dramaturgos brasileiros, quando esse estava exilado em Lisboa, Portugal. Nela, Chico retrata a situação em que se encontrava o Brasil, sob a pressão da ditadura militar. A canção foi lançada originalmente num disco de título quase igual, chamado Meus Caros Amigos, do ano de 1976.

Chico Buarque de Holanda

Biografia

Francisco Buarque de Hollanda é compositor, cantor, teatrólogo e escritor. Nasceu no Rio de Janeiro em 1944. Ainda pequeno, mudou-se para São Paulo, e logo passou uma temporada na Europa. Filho de um historiador respeitado, desde criança conviveu com personalidades da música brasileira, amigos de seu pai.

Compôs a primeira canção quando tinha pouco mais de dez anos, chamava-se “Canção dos Olhos”. Em 1965, lançou seu primeiro compacto. No ano seguinte, “A Banda” empata com “Disparada” em primeiro lugar no II Festival de MPB, e em 1968 vence o Festival Internacional da Canção com “Sabiá".

Depois de uma temporada na Itália, volta ao Brasil em 1970 e compõe uma de suas mais importantes músicas, como sinal de protesto político, “Apesar de Você”. Devido à censura, em 1972, o cantor assume o nome de Julinho da Adelaide para que suas canções não fossem barradas.

Em 1975, grava a canção “O Que Será” para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, e lança o disco “Meus Caros Amigos”. O ano de 1978 foi cheio de realizações, dentre elas estão o lançamento do álbum duplo “Ópera do Malandro” e do LP “Chico Buarque 1978”, o Prêmio Molière como melhor autor por “Gota D'Água”, e seu primeiro livro infantil, “Chapeuzinho Amarelo”.

Na década de 80, Chico participou ativamente do movimento Diretas Já, que teve “Vai Passar”, composta pelo cantor, como um dos hinos. Lançou vários LPs, incluindo “Vida” com o grande sucesso “Eu Te Amo”. Junto de Caetano Veloso, apresentou o programa “Chico e Caetano” na Rede Globo.

Escreve seu primeiro romance em 1992, e cinco anos depois participa do disco “Chico Buarque de Mangueira”, escola de samba que o homenageou no desfile de 1998, tornando-se campeã. Após dez anos sem lançar um disco de inéditas, sendo o último “Uma Palavra” (1995), chega ao público “Carioca”, que foi seguido do CD e DVD “Carioca Ao Vivo” em 2007. Chico Buarque é hoje referência no tocante à Música Popular Brasileira e um dos mais renomados compositores de todos os tempos.